Cientistas iniciam pesquisa inédita com células de embriões para tratar pacientes cegos e criam o primeiro banco público com esses tecidos para investigar doenças como a esquizofrenia e o Parkinson
Mônica TarantinoO País está na dianteira de uma série de estudos com células-tronco, uma das grandes esperanças da medicina para a cura de várias doenças. Da cegueira ao Alzheimer, pesquisadores brasileiros estão debruçados sobre as perspectivas de tratamento de diversas enfermidades a partir do desenvolvimento de novas terapias. Um dos trabalhos pioneiros envolve células-tronco extraídas de embriões – aquelas que podem se tornar qualquer tecido do corpo. Começa em fevereiro um estudo inovador com pessoas cegas em razão da degeneração macular relacionada à idade (DMRI). É a principal causa de cegueira irreversível em países desenvolvidos, especialmente na população idosa. A proposta é conter o progresso da doença e reverter seus danos.“Será a primeira pesquisa no mundo a usar células embrionárias cultivadas no laboratório para se diferenciar em tecidos específicos antes de implantá-las no olho”, explica o oftalmologista Rodrigo Brant, da Universidade Federal de São Paulo. O tratamento é promissor, mas o pesquisador frisa que não se aplicará a todos os casos de perda de visão.
Outra linha de pesquisa audaciosa está em andamento na FioCruz e no Hospital São Rafael, ambos na Bahia. Na primeira fase, sete pacientes paraplégicos (por traumas na coluna) receberam injeções de células-tronco adultas na medula espinhal (por onde passam os feixes nervosos que ligam o cérebro ao corpo). Em 2013, o número de pacientes tratados subiu para 14. “Agora estamos investigando os resultados de cada um deles para conhecer as características das lesões que respondem melhor ao tratamento”, diz a cientista Milena Soares, uma das responsáveis pelo projeto. A maioria recuperou a sensibilidade dos membros inferiores, passou a ter maior controle da bexiga e houve quem melhorasse a ponto de andar com a ajuda de aparelhos. Uma das beneficiadas pelo trabalho é a economista Andrea Damasio, 35 anos, que participa do estudo há um ano. Ela perdeu os movimentos dos membros inferiores após cair da escada. “A terapia ajudou a controlar os espasmos que eu tinha, o que já me permite dar uns passinhos com o andador, e recuperei a sensibilidade”, diz Andrea.
A regeneração do coração é mais uma frente desafiadora de estudos. As primeiras pesquisas nessa área sugeriam que a injeção de células-tronco (tiradas da medula óssea) no coração poderia restituir as células perdidas no ataque cardíaco. Estudos posteriores revelaram apenas um aumento na formação de novos vasos. No Instituto do Coração da Universidade de São Paulo, um estudo de longa duração (mais de seis anos) está prestes a revelar, afinal, se há alguma vantagem no procedimento. Ali, metade dos 140 pacientes submetidos à cirurgia de ponte de safena recebeu, durante a operação, células-tronco adultas no local a ser recuperado. “Vamos comparar os resultados. As análises serão divulgadas nos próximos meses”, diz o cientista José Eduardo Krieger, que coordena o trabalho.No campo das doenças mentais, o neurocientista Stevens Rehen lidera uma revolução no estudo da esquizofrenia. Ele está trabalhando com células reprogramadas (induzidas, em laboratório, a voltar ao estágio embrionário e posteriormente convertidas em outros tecidos do corpo). O grupo de Rehen reprogramou células da pele de pessoas com esquizofrenia para criar neurônios. “Constatamos que o cérebro desses pacientes consome duas vezes mais oxigênio do que o normal”, explica o pesquisador, que coordena o Laboratório Nacional de Células-Tronco do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Além disso, o grupo conseguiu recentemente converter células da urina em neurônios. “Essa nova técnica facilitará estender a pesquisa a pacientes com outros transtornos mentais, inclusive crianças e idosos”, diz. Rehen está recrutando mais pacientes com esquizofrenia para ampliar o estudo.
Mais uma tendência é o surgimento de coleções de células-tronco para o estudo de doenças e testes com medicamentos. “Temos já um banco de células-tronco e células reprogramadas de mais de 300 pacientes com doenças genéticas. Elas permitirão estudos importantes”, diz a geneticista Mayana Zatz, que dirige o Centro do Genoma e Células-Tronco da USP. Também está em formação um acervo nacional de células reprogramadas, o primeiro do gênero na América Latina. Será voltado para o estudo de problemas como Alzheimer, Parkinson e mais 15 enfermidades. A iniciativa envolve diversas instituições, é pública e tem apoio do Ministério da Saúde. “É um grande passo”, aprova o hematologista Nelson Hamerschlack, do Hospital Albert Einstein. Ele avaliou o impacto do transplante de células-tronco da medula óssea do próprio paciente com esclerose múltipla. “Em 75% dos casos, os sintomas melhoraram ou a doença ficou estabilizada”, diz. Hamerschlack planeja iniciar estudos com pacientes com a doença em estágio mais precoce.
Fonte: Istoé Medicina e Bem estar edição nº2303 de 10 de janeiro de 2014.
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